Diário de um Sobrevivente

Não deixe o medo devorar você

06.02.14 – Sem armas. Sem proteção. Sem problemas.

Posted by YukimuraWakashimazu On fevereiro - 2 - 2015

Kanda Restaurant

Dia: 07.02.14. Terça-Feira. Local: Tóquio, Japão.

Sobrevivente: Yukimura Wakashimazu

Já se passou um dia depois de minha decisão de procurar por Rinko… Infelizmente, sem prova alguma ainda de onde ela está – Na verdade, seria correto dizer, sem prova alguma de sua existência -. Se ela se transformasse em uma daquelas coisas, acho que eu nunca me anistiaria. O céu permanecia em crepúsculo, toando o mundo do qual conheci no mais profundo caldeirão de sangue. Usando o ínfimo de combustível possível de minha moto – Que já estava no limite -, eu pilotava pelas ruas, que inexplicavelmente estavam abandonadas. Não havia sinal de vida inteligente. Os edifícios com negras fumaças deixando seu interior, as ruínas no chão, a pavimentação rachada, as calçadas destruídas… Me indago, será mesmo que os “monstros” que perpetraram isso? Ou foram os humanos revelando seus verdadeiros instintos? Eu verdadeiramente hesito em pensar que muitos se prontificaram a ajudar o próximo… Mesmo sendo o Japão, pessoas são pessoas, afinal de conta. Não que eu fosse especial, pois afinal, todos deveriam fazer essa ação. Bizarro são os seres que só se importam para seu próprio ser.

Em meio a ventania que chicoteava em meu rosto, reflexões tão frias quanto elas vieram à tona. “Se todos estivessem unidos, não poderíamos ter lutado contra essa ameaça antes de chegar a esse ponto? Se os países se a subsidiassem sem precisar daquela burocracia, teria se alastrado dessa forma?”. Mesmo sabendo que de agora nada adiantaria filosofar, é bom jazer pensando. Isso me faz humano. Isso me deixa sano. Eu não almejo ficar igual aquele homem que me atacou com a faca naquele túnel. Eu quero manter minha humanidade, minha sagacidade. Tão-somente assim eu tenho alguma chance de sobreviver.

O nível da gasolina se esgotava tanto como meu estômago, que já roncava. Eu tinha de tragar algo, ou ficaria fraco demais para proteger a mim mesmo, quanto mais alguém. Lembrei de um supermercado que ali ficava, no mesmo quarteirão. Pensei se seria uma boa ideia… Afinal, estes recintos são visitados centenas de vezes por dia. Se, por acaso, advier igual ao filme “Madrugada dos Mortos”, eles têm parte de suas lembranças, e sabem utilizar ferramentas, e ainda, visitar espaços que costumavam ir. Ou seja, shoppings, lojas comerciais, praças públicas, parques… Poderiam estar infestados. Mas, o que realmente me abalava não era ver o sangue dos céus, era a taciturnidade do inferno. Estava tudo muito sereno… Onde estão todos? Por que aquelas criaturas não estão vagando – Não que eu queira ver quaisquer uma-? Nenhum sobrevivente? O que irei fazer se sou o único que resta? … Tenho que me acalmar, ou então, ficarei pirado. Tinha que pensar positivo. Pessimismo só iria me transformar em nutrição para essas coisas. Me pergunto se era apropriado os chamar de “Zumbis”, pois arrostaria como um jogo…. Mas não. Não era bem isso. Não há diferença da utopia para a realidade. Agora eu vejo isso… Às vezes, até mesmo parece que os jogos, filmes, seriados eram para deixar as pessoas céticas. Para elas não acreditarem. E quando algo assim ocorresse, ninguém saberia o que fazer. Mas bom, é só mais uma suposição…

Percebi algo, eu estava na Kanda Awajicho Chiyoda, na 2 Chrome – 10. Aqui fica um restaurante especializado em soba… Rinko adorava ir com comigo e Kaito depois das aulas. Era uma das comidas preferidas dela… Será que…?! Não sei pensei mais. Acelerei tanto que a borracha do pneu ficou batizada no chão. Talvez ela esteja escondida lá. Não sei, é uma hipótese pequena. Mas tenho que tentar. Eu tenho.

Cruzei a última rua para chegar a localidade. A moto chacoalhou tanto quanto um touro, ameaçando me jogar para fora. Me mantendo firme, apertando o guidão como se fosse uma esponja encharcada, sentindo os barulhos de metal se batendo – Acho que quebrou alguma coisa – enquanto lutava pelo poder. Porém, não aguentei. Senti meus dedos se soltarem aos poucos, e minhas pernas mal contrabalançadas me impelirem para o asfalto. Foi uma curva insensata, uma curva mal pensada. Não tinha opção – Nem tempo -, me joguei da moto para minha perna não ser arrancada pelas ferragens. Vi o solo passar diante de minha íris, vários pedaços do concreto ficaram em alta definição. Minhas mãos já se posicionavam para frente para me proteger da queda, enquanto minhas pernas dobravam para forçar os músculos contra o impacto, protegendo meus ossos. Ao cair, a primeira coisa que senti foram meus braços baterem no chão – me fazendo quicar para cima após impacto -, meu grito involuntário – Gyaaaaaahh!!! -, minhas pernas chicotearem o chão – A ardência que senti era algo que jamais iria esquecer -, e logo após, estava olhando para o céu carminado – Não por sua beleza, claro -, paralisado. Não sei como eu estava, mas de certa forma, conseguia idealizar.

O frio me mostrava exatamente onde mais me machuquei, junto dos ferimentos que tentaram em vão se cicatrizar durante esse tempo. Me culpava pela minha impulsividade, e agora, com certeza a moto estaria em estilhaços – Mas seria bom verificar, vai que dei sorte -. Olhei para minhas mãos, e a dor começou de verdade quando a vi esfolada, cheia de peles soltas e sangue, com a terra incrustada ferrenhamente – que absorveu os pingos de sangue -. Percebia algo gelado em minha bacia, do lado esquerdo, e logo pensei “Ah não, não é possível que quebrei a bacia. Era só isso que faltava para virar um túmulo”. Conseguia ver claramente minha calça jeans rasgada no joelho, com um rasgo tremendo acima deste – Aliás, não um rasgo… Estava mais parecendo um bife mal passado -. Meu cotovelo nem sequer se mexia, e conseguia sentir o vermelho sendo absorvido pela minha camisa, tornando-a mais carmesim ainda. Parecia que cada segundo era um ano, mal sentia minha pele. Era pelo frio? Era pela gravidade dos ferimentos? Ou… Estava partindo? Somente sei que devo ter batido minha cabeça umas 3 vezes ou mais. Em meus olhos, manchas negras contaminavam minha visão… Não. Isso não pode acabar assim. Alguém que sobreviveu até agora morrer em um acidente de moto, dessa forma? Assim? Não. Não poderia me dar o privilégio de sair do inferno ainda. Tem pessoas que tenho de achar ainda, pessoas importantes para mim. Juntando o que restavam de minhas forças, sentia meus tendões arderem, e os ferimentos pulsarem como se alguém os cutucasse. A dor era intensa, mas percebi algo, meus ossos não haviam quebrado – Ainda bem que tomo leite 3 vezes por dia, como indicou Kaito -. Pode-se ter passado apenas alguns minutos, mas em minha cabeça, horas, ou talvez dias, se passaram ao tentar se levantar. Meu corpo estava álgido. Minhas veias estavam cruas. Os batimentos de meus ferimentos pareciam tambores que doíam sempre que o sangue passava por eles. O coração estava em celeridade máxima – Talvez, pelo esforço que eu estava fazendo -. Porém, finalmente, consegui apoiar minhas mãos danificadas e ardidas no chão, enquanto usava a força do meu quadril e joelho levemente dobrados para me colocar para cima – Acredite em mim, foi a melhor forma que vi de levantar naquele momento -. Em um impulso, ouvi profundamente – e senti também – o estalo de vários ossos meus. Nenhum membro fora do lugar. Eu estar vivo após essa queda poderia ser considerado uma bênção ou maldição? De qualquer forma, eles precisam de mim, então é uma dádiva. Sim… Era uma dádiva estar vivo. Me pergunto o motivo de somente agora, entre a linha tênue da vida e morte, eu estar valorizado por cada segundo que o ar deixa e volta para meus pulmões? A capacidade de sentir dor, de certa forma, me faz ter esperanças de viver. E pelo fato de eu ainda pensar nisto, consigo inferir que até aquele momento, tomo posse de minha humanidade. Isso era bom, muito bom…. Ei… Espera, acho que estou esque– Maldição! Rinko!

Disparei em direção a entrada do Kanda Awajicho Chiyoda. O local, como era de se esperar – Infelizmente – estava abarrotado de destroços. Mas ainda assim, conseguia entrar lá – Tinha esperanças -, e foi o que fiz.  Realizei algo que nunca havia feito – Se não em jogos – em vida. Assenhorar-se do cenário não era bem uma das tarefas que não pensei que teria realizar, de fato. Contanto, é estranho, pois, nunca realizara crimes. Arrombando a porta – Após várias ombreadas doloridas. Poxa, era mais fácil vendo na TV….-, meus olhos, tanto em frenesi quanto detalhista, avaliavam o local. Cada canto, cada mesa, até mesmo o teto – Quem sabe né? Cada coisa doida que já apareceu -.  Estava em penumbra, e isso, não era somente ruim, era péssimo. A situação com certeza não estava em meu favor, pois a desvantagem era imensa. Imediatamente procurei por fonte de luz – Se fosse no Resident Evil, ele brilharia -. O ponto mais iluminado dali era o balcão, que haviam luzes de emergência, que infelizmente, serviam apenas para as mariposas. Algum tempo de procura se passou, e notava cada vez mais a “anestesia” do meu corpo se esvaindo. Sentia uma enorme angústia, mover era improbo, e tinha certeza de algo… Meus ferimentos do dia 6 estão infeccionados, e brevemente, estes também irão ter o mesmo destino. Se eu não cuidar disso, mesmo que “eles” não arranquem meus membros, a septicemia irá. Deve ter alguma caixa de primeiros-socorros por aqui também.

Não sei o que aconteceu, mas, nada encontrei. Nem sequer uma lanterna, ou um bandeide. No entanto, consegui algo… Álcool. Sim, irei fazer isso. Não tenho outra opção. Seria melhor limpar o ferimento com água e sabão, fazer um curativo correto… Contudo, agradeço por ter ao menos conseguido este item – Me senti em um RPG por alguns momentos. Acho que é uma forma de minha consciência amenizar a situação em que me encontro -. Na obrigação de fazer isto no exato momento em que encontrei, me assentei em uma cadeira – Que estava preservada, felizmente -, rasguei os restos de minha veste que pareciam queimar minhas lacerações, coloquei hashis em meus dentes, apertando-os como se eu fosse rasgar um naco de carne – Para, se caso a angústia for extrema, e cerrar meus dentes inconscientemente, não os quebrar. Ainda precisava deles -, e… Derramei. Despejei o líquido inflamável e antisséptico no meu corpo. Gritos abafados de dor eram impossíveis de se segurar – O som poderia atraí-los, então, cada urro era como derrubar panelas de alumínio em pisos de azulejo -. Como não queria ficar sofrendo, esvaziei o recipiente em todos meus ferimentos, o mais rápido possível indo para o próximo. As veias de meu corpo incharam, pareciam que iriam explodir. Meus olhos cerraram tanto que pensei que estes iriam afundar. Meus dedos do pé ameaçavam se separar. Meus dedos então nem se fale, apertaram tanto o recipiente que o perfurei com minhas unhas – E olha que eram curtas! -. Rezava arduamente para aquela situação passar de uma vez, acabar com isso. Pensamentos de morte vieram à tona, enquanto, pelo excesso de calor gerado pelo meu corpo, suor descia como uma bica.

Quando acabou, estava olhando para cima, sentindo o inferno rastejar pelo meu ser. A pulsação era tão grande, que parecia uma mutação. Resfolgava pela boca, sentindo as pequenas rachaduras que estavam em meus lábios, que antes, engordurados pelo chorume queimado.  Estava festo que terminou… Então, vamos lá procurar uma fonte de–

Algo quebrou a porta!

Meu corpo gelou. Não só meu corpo, mas sim tudo o que havia dentro dele. Principalmente após o rugido que escutei. Me abaixei atrás da bancada onde eles serviam soba. Espionei pelas pequenas brechas de madeira quebrada, que me permitia o dom da visão parcial. Minha pupila dilatou quando olhei para o ser a minha frente. Um ser de 2,21 Metros, com um olho faltando, coberto por algo que parecia pele… Espera, era pele! Seu olho esquerdo estava costurado, e vestia um sobretudo rasgado. O que aconteceu com ele? Será que era um humano que teve muitos ferimentos, ou…  Mudei de opinião quando a mandíbula dele se abriu totalmente, revelando dentes pontiagudos e grossos, junto de sua pele que parecia esburacada e perfurada – Sério, aquilo me deu muito nervoso -. Não podia remanescer aqui. Tinha de ir embora. Mas espere… E Rinko? E se ela estiver aqui dentro e esse monstro – Ou seja lá o que for isso – a encontrar? Eu não posso simplesmente abandoná-la. Teria de pensar seriamente no que deveria fazer agora. Meu coração estava como um cubo de gelo, batendo lentamente, enquanto sentia calafrios atrás de minha cabeça. E meu estômago, sentia como se estivesse em uma montanha-russa e descesse. O que eu deveria fazer?
[poll id=”4″]


OSTs que serviram de inspiração para esse post:

Resident Evil 3

Parasite Eve

The Legend of Yggdrasil

 

 

Digiprove sealCopyright protected by Digiprove © 2015 Taka Shôu
Acknowledgements: Obrigado a imagens do restaurante, da more...
All Rights Reserved

Leave a Reply

You must be logged in to post a comment.